Este é sem dúvida, um tema deveras
delicado. Um tema pouco procurado e desejado pelos leitores que, por ele,
possam estar mais carecidos. Na verdade, ninguém procura o desejo de entender
um tema que, de um segundo para o outro, passou a ser um tema integrante da
própria vida. O luto. A perda. Temas de coragem, que exigem uma enorme e
inimaginável luta interior. Não apenas para a sua possível interiorização, mas
sobretudo para tudo aquilo que estes temas acarretam física, psíquica e
emocionalmente. Seria tão fácil dizer o quão importantes são as palavras dos
demais significativos durante o período de uma perda. Mas será que uma perda
pode ser considerada apenas como um período ou uma fase?! Uma passagem da
vida?! Para alguns pode ser apenas isso, uma perda. Já para outros, pode marcar
o inicio de uma perda infindável, onde os pés parecem não conseguir voltar a
sentir o chão. Aquele que era o chão de todos os dias.
Voltando às palavras, estas não deixam
de perder significado, no entanto, a partir “daqui” tudo parece ser
questionável. “Quantas vezes serão essas palavras sentidas como verdadeiras?
Inicialmente, associadas ao momento de extrema fragilidade, podem parece-lo, de
todo, mas quando se começa a acordar do pesadelo para a realidade, também
outras “imagens”, começam a ficar mais nítidas. Para o enlutado, ou seja, para
aquele que perdeu o objeto amado
(alguém muito próximo), todo o chão parece ficar instável, assim como as
palavras parecem apenas isso. Palavras. E quantas palavras serão precisas para
confortarem com a mesma intensidade que um olhar? Será que ainda existem
pessoas que consigam olhar e ver ao mesmo tempo? Acredito que sim, no entanto,
também acredito que sejam poucas, muito poucas. Olhar….parece fácil.
Olhar….todos olham. Mas para ver, é preciso ir muito mais além do que,
simplesmente olhar. É preciso ter alma para sentir a alma do outro. É preciso
ter tempo para confortar o outro, mais que não seja, apenas com um olhar de
quem vê. Um olhar pode dizer muito mais do que um “entendo a tua dor, mas não
serão as minhas palavras que te irão trazer de volta aquele alguém tão
significativo que possas ter perdido e, por isso, estou apenas a transmitir-te
que estou aqui, disponível, para ouvir aquilo que possas querer ou não dizer,
sem que tenha de ser eu a questionar-te. Aliás, não te quero questionar, porque
não quero invadir o teu espaço neste momento em que sei que precisas dele, mas
quando regressares, estarei aqui”. Um olhar de quem vê; um abraço de quem
sente; podem dizer isto e muito mais, e num momento de perda, a pessoa
enlutada, sentirá e absorverá certamente estas “palavras” que foram, “ditas” intensamente.
Há que respeitar a dor do outro, sem se ser intrusivo, por um lado, e
desprezível, por outro. Há que marcar de uma forma sentida, com um verdadeiro
“estou aqui”.
A perda de alguém significativo, é das
experiencias mais dolorosas para o Ser humano, e nada nem ninguém, poderá
proporcionar o conforto desejado, porque só o regresso da pessoa perdida,
poderia suprimir esse desconforto. Como tal, o luto caracteriza-se por
sentimentos de melancolia e de desorganização, até que o enlutado consiga
iniciar a elaboração desta perda (e elaboração, ou seja, fazer o luto, não
significa resolução para a perda, porque não existem poções mágicas para uma
dor que jamais se apagará de partilhas, da memória e do coração de quem perdeu,
mas existem maneiras de se voltar a “viver”, reorganizando a própria vida).
Por norma, alheias a factos e a
experiências desta natureza, comummente, as pessoas questionam o enlutado acerca
do momento em que ocorreu a perda, considerando muitas vezes que, “afinal já
passou um ano, ou dois, ou dez, e que desta forma, já fez a elaboração do luto”.
Para os que surgem apenas em redor deste tipo de acontecimentos, tudo parece
mais fácil, ou talvez considerem que uma pessoa normal e sádia, deva superar a
perda na sua totalidade e de forma “rápida” (aproximadamente 6 meses). Mas na
verdade, existem perdas e perdas. Por muito que a dor possa atenuar, jamais
desaparecerá. A dor da perda é uma dor interna, é uma rutura que, nem sempre é visível
a todos. Daí a importância do olhar, vendo quem se olha. Porque sorrir nem
sempre significa estar bem, mas para muitas pessoas, se se sorri, é porque o
vazio da perda já foi encoberto com uma outra “vida”, e passo a expressão, mas
“más línguas”, não conseguem pensar de outra forma. Para quem apenas olha, tudo
parece fácil. Olhar não é Ver. Mas olhar e ver o outro, é ter compaixão. E
compaixão pelo outro, não é ter pena….é ter “com paixão”, oferecendo ao outro o
que de melhor reside dentro de cada um. Pena? Coitado? Porquê? Um julgamento
deveras insensível. Coitado porque a vida lhe foi injusta? Pena porque perdeu
alguém que lhe era significativo? Então todos os seres humanos seriam um motivo
“de pena”, porque já todos perderam algo ou alguma coisa na vida (de diversas
maneiras, acarretando diferentes sentimentos). Se estes fossem justos
pensamentos, então todas aquelas pessoas que falam alheias aos sentimentos e
sofrimento dos outros, deveriam ser julgadas como coitadas? Claro que não é
assim. Mas infelizmente, nos dias que correm, é assim que muitas pessoas olham
para a vida, sem que sejam capazes de sentir minimamente a dor do outro (ou
pelo menos tentar imaginar, colocando-se no lugar do outro), não percebendo que
o outro não precisa que tenham pena, mas sim, de pessoas em seu redor que vivam
“com paixão”.
Todos Nós, enquanto Seres Humanos,
fomos, somos e sempre seremos insubstituíveis. Cada Ser ocupa um lugar único no
Mundo e na vida de cada um. E só ao próprio, compete o direito e o dever de
julgar a própria vida.
Antes de se Ser Pai ou Mãe, é-Se Homem
ou Mulher e, por detrás de um bom Homem ou de uma boa Mulher, esteve certamente
um bom filho(a), e estará certamente um bom Pai ou Mãe. Esse é, sem dúvida, o
maior e o melhor sentimento que um filho poderá levar consigo, se a vida se
encarregar de traçar uma batalha de guerra antecipada e invertida, originando
uma posterior união para os que nela permanecem com dor. Tudo o que é material,
vem e vai, vai e volta, ou pode até não voltar. Contrariamente, à experiencia e
à partilha que, ficará para sempre na memória e no coração de quem amou. Isso
sim, é o que se leva desta vida. E por mais que se possa perder quem se ama, o
amor, esse, nunca acaba. O amor é eterno. Assim como a dor atenuada, mas nunca esquecida.
Para a morte, não existem culpados, a única culpada é a vida. Nem mesmo aquele que
privou o seu ser amado de uma relação calorosa intima, proporcionando momentos
de angustia; carência de amor; culpa ou depressão, dificultando assim o
ajustamento social, se deve sentir culpado ou culpar alguém (por mais que,
inconsciente, o possa vir a fazer). Ninguém merece carregar uma bagagem de
culpa, que pesa todos os dias, perante algo que até hoje, por maior que seja a
injustiça vivida, nunca pôde ser contornada. Nenhum Pai, nenhuma Mãe, se devem
culpabilizar por uma perda, quando ambos sabem e sentem, conscientemente, que o
amor foi sempre um ato vivido e sentido por ambas as partes.
Apesar de todas as lamentações que
possam existir (quer seja o fim de um relacionamento ou a perda de um emprego),
não só existe um fim para tudo isto, como existe um fim para todas as pessoas
amadas, mas nunca para o amor. A lamentação da perda está sempre associada a
uma série de fatores. Nem todas as pessoas sentem uma perda da mesma forma. A
idade da pessoa; as circunstâncias da perda; a idade de quem perde; entre
outros, tudo isso facilita ou dificulta o processo da elaboração do luto. E a
dor, deve ser considerada como um processo e não como um estado. Um processo
pode ser evolutivo, e será certamente mais evolutivo, se contar com o apoio de
todos aqueles que são significativos, assim como com a ajuda de profissionais
de saúde mental. Nunca é tarde para pedir ajuda. E pedir ajuda, não significa
ter de abdicar daqueles sentimentos que, fazem com que o enlutado, viva e
reviva momentos que o façam sentir a presença de quem perdeu, se isso for
condição para que continue a viver. Pedir ajuda, significa aprender a lidar
melhor com uma dor que, por vezes, parece ser sentida como mais insuportável e
corrosiva. Um profissional de saúde mental, jamais o questionará por mera
curiosidade, contrariamente a algumas pessoas que até possam parecer próximas
mas que, no fundo, se alimentam de falta de tempo para os outros, alimentando
apenas o seu Eu pela curiosidade, pelo julgamento e por tantos porquê’s sem
olhares de quem vê. É caso para dizer, são palavras a mais para tão pouca “
visão”.
Nem tudo na vida tem solução, mas
existe sempre uma opção. Continuar a ter vida, sem deixar de sentir a outra
vida, como se ela, fosse para sempre sumida. Por vezes, faz-se necessário ir à
guerra, para se perceber o verdadeiro guerreiro que se é. Nunca é tarde para se
SER o que sempre se foi.
Texto da Autoria de: Rita de Carvalho | Psicóloga Clínica e da Saúde